Artigo sobre as diferentes modalidades de usucapião urbano e suas particularidades.

Entendendo a usucapião de bens imóveis urbanos

Antes de desenvolver a conceituação das diversas modalidades de usucapião de imóveis urbanos, devemos entender a ideia principal do instituto, que é a proteção da função social da propriedade.

Apesar da garantia fundamental ao direito de propriedade constante no art. 5º, incisoXXII da CF, esta não se mostra de forma absoluta. O conceito dado pelos romanos(dominium est jus utendi, fruendi, et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur) não prevalece em nosso ordenamento jurídico, visto que o direito de propriedade está diretamente relacionado à função social, conforme o próprio art.5ºº, incisoXXIII,Constituição Federall, e nos princípios gerais da atividade econômica, através do art.1700, incisos I e II daConstituição Federall, assegurando dessa forma, conforme o próprio caput do referido artigo, a “existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Em suma, a propriedade privada somente se justifica enquanto cumpre a função social, atendendo às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, conforme reza o art. 182, § 2º da CF.

Com isso em mente, podemos entender que a usucapião nada mais é que uma forma originária de aquisição de imóvel permitida por lei tendo como objetivo atingir a função social da terra por aqueles que, atendendo a certos requisitos, garantem a estabilidade da propriedade.

Dentre os requisitos temos:

  1. Posse com intenção de dono (animus domini): É fundamental que a posse do imóvel usucapiendo não seja decorrente de atos de mera tolerância, como oriundos de contratos de locação, comodato e depósito, concretizando dessa forma a característica de dono.
  2. Posse mansa e pacífica: Importante que não haja nenhuma contestação do proprietário legítimo registrado no Cartório de Registro de Imóveis da área usucapienda. Havendo a qualquer tempo contestação da posse pelo proprietário legítimo, fica descaracterizada a usucapião.
  3. Posse contínua e duradoura: Cada modalidade de usucapião estabelece um prazo mínimo de posse para aquisição do direito à propriedade por usucapião, conforme estudaremos adiante.
  4. Posse de boa fé e com justo título: Estes requisitos somente são exigíveis na modalidade de usucapião ordinário constante no art. 1.242, CC, e trataremos deles adiante em conjunto com a referida modalidade de usucapião.

Importante salientar que para a contagem do tempo de posse, temos o art. 1.243, CC, que diz que o possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242 (usucapião ordinário), com justo título e de boa-fé.

Este dispositivo não se aplica à usucapião constitucional, uma vez que a Constituição Federal dá tratamento específico ao tema, conforme enunciado 317 da IV Jornada de Direito.

Isto posto, podemos finalmente elencar os diferentes tipos de usucapião para imóveis urbanos.

I) Usucapião Ordinária (art. 1.242, CC)

O art. 1.242 do Código Civil diz que:

“Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por 10 (dez) anos. Parágrafo único: Será de 5 (cinco) anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”

No que tange o caput do referido artigo, temos os seguintes requisitos:

  1. Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 10 (dez) anos.
  2. Justo título: Aqui encontramos muitas contestações de defensores públicos e sentenças de improcedência alegando que o instrumento particular de compra e venda de imóvel não devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis não pode ser considerado válido, visto ser nulo de pleno direito. Isto porque geralmente são oriundos de loteamentos não autorizados pelo poder público, não obedecendo ao disposto na Lei 6.766/79 que regulamenta o parcelamento do solo urbano e ainda, não sendo estes loteamentos registrados no Cartório de Registro de Imóveis, conforme reza o art. 167, inciso I, n. 19, da Lei 6.015/73 que dispõe sobre os registros públicos. Data venia, fundamento equivocado, visto que a ideia da usucapião não é a validação do negócio jurídico, e sim a garantia da função social da posse. Nesse sentido temos o enunciado 86 da I Jornada de Direito Civil que diz: “Art. 1.242: A expressão “justo título” contida nos arts. 1.242 e 1.260 do CCabrange todo ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro”. Além dio, já existem diversos acórdãos nas instâncias superiores seguindo este entendimento.
  3. Boa-fé: A boa-fé exigida é a do art. 1.201 e ssss, CC, em que é de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Isso deixa ainda mais evidente a validade para fim de usucapião do instrumento particular de compra e venda não devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis por ser oriundo de loteamento ilegal por falta de registro.

Em relação ao parágrafo único do art. 1.242, CC, temos algumas particularidades. O prazo diminui para 5 (cinco) anos, se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua morada, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Válida a redução do prazo pela metade dado o máximo cumprimento da função social da terra. Porém, a exigência de um documento devidamente registrado no respectivo cartório, sendo este cancelado posteriormente, maxima venia, me parece fora de contexto.

O elemento fundamental da norma em questão é o máximo cumprimento da função social da terra pela morada habitual e a realização de investimentos de interesse social e econômico, o que não pode ser obstado pela exigência de documento hábil. Infelizmente, o entendimento das cortes é que este elemento é requisito formal para incidência do dispositivo, não cabendo entendimento diverso.

II) Usucapião Extraordinária (art. 1.238, CC)

O art. 1.238 do Código Civil diz que:

“Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único: O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.

No que tange ao caput do referido artigo, percebemos que, ao contrário da usucapião ordinária, o único requisito para a aquisição originária do imóvel é sua posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 15 (quinze) anos, não sendo exigido justo título ou boa-fé.

Quanto ao parágrafo único do art. 1.238, CC, o prazo diminui para 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, ou seja, novamente diminui-se o prazo para aquisição originária do imóvel face ao máximo cumprimento da função social.

Esta é a forma mais simples de aquisição originária de imóvel por usucapião, uma vez que basta a posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo estipulado no artigo. Por isso o tempo exigido de posse é maior frente às outras modalidades de usucapião.

III) Usucapião Constitucional ou Especial Urbana pro misero (arts. 183, CF; 1.240, CC; 9º, Lei 10.257/01)

O art. 183, caput, da Constituição Federal diz que:

“Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

Este dispositivo foi reproduzido no art. 1.240, CC e no art. 9º da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade).

Aqui vale ressaltar o art. 9º, § 3º da Lei 10.257/01 que diz “Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão”. Portanto, não se aplica a regra do art. 1.243 do CC, como vimos anteriormente, não sendo possível, portanto, a soma das posses inter vivos.

Isto posto, são requisitos do dispositivo:

  1. Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 5 (cinco) anos.
  2. Área urbana de até 250m2.
  3. Ser utilizado para a sua moradia ou de sua família.
  4. Não pode ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano.
  5. Não será conferida a propriedade por usucapião especial urbana mais de uma vez.

Este dispositivo deixa claro o ânimo em atender o direito mínimo de moradia e a função social da posse.

IV) Usucapião Constitucional ou Especial Urbana por abandono do lar (art. 1.240-A, CC)

Com o advento da Lei 12.424/11, foi adicionado ao Código Civil a modalidade de usucapião especial urbana por abandono do lar, através do art. 1.240-A que diz:

“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Parágrafo único: O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.

Note que o dispositivo é muito semelhante à usucapião especial urbana, conforme vimos no item III acima. A diferença encontrada aqui é a redução do prazo de posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini para 2 (dois) anos. Outro requisito importante é o abandono do lar do ex-cônjuge ou ex-companheiro. A ideia aqui é a da proteção da entidade familiar, no sentido de não deixar desamparada a família em que o cônjuge tenha abandonado. De forma a ilustrar brilhantemente o assunto, temos o enunciado 499 da V Jornada de Direito Civil que diz:

“A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A doCódigo Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e dever de sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente com as despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, justificando a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.”

Lembre-se de que eventual ação de divórcio em que se discute o bem imóvel em questão interrompe o prazo para aquisição por usucapião.

V) Usucapião Especial Urbana coletiva (art. 10, Lei 10.257/01)

Reza o art. 10 da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade):

“As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.”

O objetivo do dispositivo é a regularização das comunidades de baixa renda urbanas. Portanto, são os requisitos para a concessão da usucapião especial urbana coletiva:

  1. Área urbana com mais de 250m2.
  2. Ocupação por população de baixa renda que façam do imóvel sua moradia habitual.
  3. Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 5 (cinco) anos.
  4. Não possibilidade de identificação da área ocupada por cada possuidor.
  5. Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Ademais, os parágrafos do referido dispositivo traçam regras claras para esta modalidade de usucapião, dentre as quais:

  • O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
  • A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
  • Na Sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
  • O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
  • As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

Fonte: jusbrasil.com.br

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